Anamnesis...

Sumiko engole em seco, fica um tempinho chorando sem conseguir falar nada. Ou pensou que não falava nada. A voz saiu enrolada no meio do choro:

- Será que a Shikaku tá com eles? Não pode ser... não pode... ou ela leu minha mente. Não é possível.

Ela então se concentra, tenta parar de chorar, e diz ainda com dificuldade:

- Deixa... desculpa Shikaku... eu não queria te acordar

- HEI! ONDE VOCÊ ESTÁ?!

Parecia que Sumiko estava começando a perturbar a paz interior de Shikaku...

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Sumiko ouve a sua voz balbuciante no telefone e finalmente entende...

- Era isso? Eu andei falando essas coisas?

O desespero era ainda maior agora. Chorando, ela diz.

- Desculpa, Shikaku... eu não sei o que deu em mim... desculpa mesmo. Eu não tô legal, deve ter sido o que aconteceu. Eu tô perto de casa... de onde era a minha casa... na rua XXXXX, no orelhão.

Ela fala com dificuldade. O choro só piorava a situação, e já estava ficando dificil de respirar.

- Está bem, só deixa eu me trocar...

Shikaku desliga o telefone. O céu começa a perder seu tom avermelhado e ficar completamente negro, a noite começa a ficar mais fria, mais vento... 5 minutos, 10 minutos, 15 minutos... Até que sumiko começa a ver uns faróis brilharem no fim da rua deserta, na frente de um carro andando lentamente pela rua...

Sumiko fica encolhida perto do orelhão enquanto espera. Se encolhe, se abraça, tentando minimizar a sensação de frio, que só colaborava para deixar sua respiração ainda mais pesada. Enquanto espera, os pensamentos fluem livres.

- O que aconteceu? O que foi aquilo? Não era um sonho... mas também não era real. Eu não estava no colégio. Mas e a minha casa? O que aconteceu? Por quê eu sobrevivi? Droga, mamãe vai me matar quando descobrir. Será que ela está melhor?

Os pensamentos são interrompidos quando ela vê um carro se aproximando. Se levanta e vai para perto da beirada da calçada, para ver melhor.

- Será que é ela?

O carro anda vagarosamente, e vai parando, parando, até parecer estacionar um pouco à frente do lugar onde Sumiko estava, a apenas uns 2~3 metros.

Sumiko estava, ao mesmo tempo, ansiosa e assustada. Se abraça e anda devagar na direção do carro, tentando reconhecer quem estava nele. Sussurra:

- Por favor que seja ela... por favor que seja ela...

Ela chega até o lado da janela dos passageiros e vê uma mulher de cabelos escuros com a cabeça um pouco pendida para a frente. Parece a Shikaku, mas estava difícil de ver de noite.

Sumiko se inclina tentando olhar melhor pela janela e ver o rosto dela. Apesar do medo, ela diz:

- Shikaku?

Sumiko vê a mulher se virar lentamente para a porta do passageiro e abri-la. Era a Shikaku com algumas olheiras e um semblante bêbado de sono. Ela mal conseguia ficar com a cabeça erguida, quase se debruçando sobre o volante do carro.

- Ooi Suumiko, eentra aaí...

Sumiko balança a cabeça em sinal de positivo e entra no carro. Senta no banco do passageiro, sem jeito, se abraça e fica toda encolhida, como se tivesse feito algo muito errado.

- E se ela perguntar? O que eu respondo? Baka...

- Perguntar? Hã? Ahhh... Tudo bem com você?

Shikaku não parecia estar com forças suficientes para ficar argumentando. Ela fala enquanto saia novamente com o carro, mexendo os braços devagar e fazendo uma curva tão aberta que quase sobe com as 4 rodas sobre a calçada. Começo turbulento mas logo parece que estão indo pelo caminho certo. Ou deveria ser o caminho certo, afinal, Sumiko não sabia onde ficava a casa dela.

Sumiko abaixa a cabeça, sem entender muito, e faz um gesto de negativo com a cabeça. Diz sem perceber, o que flui em seus pensamentos:

- Estaria tudo bem se mamãe estivesse bem, se não tivesse acontecido aquilo com a minha casa, se eu não tivesse tido aquele sonho. Não sobrou nada...

Começa a chorar novamente, por causa daquele estranho sentimento de vazio. Algo estava diferente.

Shikaku sabia que mal estava com concentração suficiente para dirigir, quanto mais dirigir enquanto socorria a menina em seu choro. Ela se restringe em dar uma rápida olhada para Sumiko (seguida por uma súbita curva para voltar para a faixa certa da pista).

- Calma, já estamos chegando.

E realmente estavam. Alguns minutos e Shikaku começa a reduzir a velocidade e estaciona diante de uma casa grande, parecia ter lá seus três andares. Todas as casas da rua também eram igualmente bonitas. Shikaku arrasta seus pés para subir os degrais na frente da porta da casa, e depois fica mirando na fechadura. Ela entra deixando a chave na porta e pede para Sumiko trancá-la, enquanto ia direto para dentro de casa, pois já estava de chinelos o tempo todo. Ela espera um pouco para Sumiko reagir e diz:

- O banheiro fica no segundo andar, se quiser alguma roupa limpa pode pegar lá no meu quarto...

Ela se vira e começa a andar em direção a uma escada que subia.

Sumiko segue Shikaku quase como um robô que segue ordens. Seu silêncio espelhava o fato de que nesse momento, ela nem ao menos conseguia pensar direito. As lágrimas secavam sobre seu rosto. Quando ela se vê dentro daquela casa grande, e tranca a porta, se dá conta de seu estado.

- Estou descalça... meus pés estão sujos.

A amiga já seguia adiante quando ela diz, timidamente:

- Er... Shikaku-senpai... eu vou sujar a sua casa.

Shikaku mal olha para trás, apenas faz um gesto para os pés, mostrando os chinelos. E haviam chinelos do lado de Sumiko...

Totalmente sem graça, Sumiko diz - e espera por uma resposta:

- Não tem problema se eu sujar os chinelos? Meus pés estão muito sujos.

Shikaku não responde, sobe a escada direto. Parecia cansada demais para se preocupar com chinelos sujos.

- Ai que droga...

Sumiko se senta no degrau e começa a passar as mãos nas solas dos pés, tentando limpar um pouco. Em seguida, passa as mangas da própria blusa.

- Ela vai me matar amanhã.

Quando percebe que a sujeira tinha parado de sair, calça os chinelos. E sobe, atrás de Shikaku.

- Como eu faço? Simplesmente entro no quarto dela? Olha o meu estado, preciso de roupas... Aiaiai...

Sumiko começa a subir as escadarias da casa. No andar de cima havia uma sala ampla com janelas, iluminada pela luz da lua, de um lado. Do outro se estendia um corredor cheio de portas. Ela andava pelo corredor, ainda havia uma das portas entreaberta, e de dentro ela podia ouvir uma respiração pesada e lenta.

- Será que é ela?

Sumiko se adianta, vai com pressa até a porta entreaberta. Quando chega perto, diz:

- Shikaku-senpai?

Ninguém responde. Sumiko avança os olhos um pouco mais pra dentro e percebe que ela estava deitada na cama, pelo menos um dos lados dela, pois uma perna e um braço estavam pendidos para fora da cama. Ela estava respirando muito profundamente, um pouquinho mais de vibrações e aquilo viraria um ronco.

- Ela deve estar com frio.

Sumiko cobre Shikaku e fica algum tempo olhando para ela:

- Vou ter de mexer nas suas coisas? Onde você guarda calças e camisetas, ein?

Totalmente envergonhada, Sumiko começa a procurar, começando pelos lugares mais óbvios, por alguma roupa que parecesse velha. Camiseta e calça ou bermuda.

- Eu tô um trapo... Droga, o que eu tô fazendo, pareço um cachorro vira-latas mexendo nas coisas dela assim.

O quarto de Shikaku era muito bem organizado, todas as coisas no lugar. Sumiko começa a procurar pelos seus armários e gavetas, tinha muita roupa ali. Poderia escolher entre pijamas, camisolas, camisetas, calças, saias, vestidos, pantufas, tiaras, brincos e muito mais. Ela também descobre o armário onde eram guardados travesseiros, lençóis cobertores e coisas do tipo. Parecia que ela tinha mais do que precisava agora. E Shikaku dormia como uma pedra.